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Mercado de Transportes Pós Greve – Cap. I

Meio que olhando perplexo, vemos que todo mundo que trabalha no Mercado de Logística está perplexo, perdoem o pleonasmo, mas a perplexidade é grande. Nunca antes na história desse país (perdoem mais uma vez), uma greve de carreteiros funcionou como essa: a de maio de 2018.

Por que nunca funcionou antes e funcionou agora? Deixando de lado a obviedade e a justificativa universal das redes sociais, gostaria de refletir com os leitores alguns pontos:

O Contexto:
  • As estatísticas da predominância do modal rodoviário pararam de contar nos 70%, mas na vida real é muito mais. O que há de ferrovia serve aos grãos e minérios, não por acaso foi pouco barulho desse lado; nada anda sem caminhão.
  • O transporte público não funciona, não há qualquer tipo de mobilidade sem combustível.
  • As distribuidoras de combustível não tinham um plano B (na verdade não tinham e não têm plano nenhum)
  • Os carreteiros e pequenas empresas (tipo ‘2 brothers in a truck’) detém a imensa maioria dos caminhões
  • A crise financeira perdura por décadas, na verdade o Brasil ‘é’ uma grande crise com breves momentos de prosperidade; os fretes ‘são’ baixos e não ‘estão’ baixos

As Transportadoras e Operadores:
  • As Transportadoras e Operadores Logísticos não têm mais frota própria
  • O fato indelével, de que carreteiros subcontratados ganharam sempre reclamações trabalhistas quando pleiteavam vínculo trabalhista, criou um afastamento entre empresas e autônomos, gerando mercado entrópico e fragmentado
  • Grandes Frotistas desistiram ou foram “by-passados” pelos clientes, então trabalham muito mais com projetos e nichos específicos. Eles foram um tanto responsabilizados pela gravidade do evento (não entro no mérito), mas seu poder de direcionamento e liderança dos carreteiros é ínfimo
Os Embarcadores
  • A tendência clara é que a maioria dos grandes contratantes de frete reduzem seus custos de logísticas comprando exclusivamente por preço, não analisando os custos do transporte
  • A estratégia de cortar operadores estruturados, tidos como intermediários (de novo, sem julgar o mérito) funciona a curto prazo, mas fragiliza a organização do mercado como um todo.

Os Carreteiros
  • De fato, eles estão em situação de penúria, há muita oferta ou ao menos desequilíbrio geográfico e setores econômicos; o mercado não tem dó de ninguém. O frete cai, e eles aceitam para sobreviver
  • A regulamentação não impõe barreiras de entradas, a informalidade do pretenso empreendedorismo gera uma competição que mata de inanição criadores e criaturas
O Estado
  • Não há política de logística, simplesmente não há; qualquer profissional da área mínimo bom senso, concordaria que um mercado totalmente dependente do modal rodoviário não pode:
    • Monopolizar o refino do petróleo e não regular o transporte doméstico dos derivados
    • Não ter estratégia de contratação de transportes a partir das distribuidoras
    • Não ter frota estratégica para absolutamente nenhum setor estratégico
    • Não ter política de preços de combustível alinhada com a dependência do modal rodoviário
Para concluir, 5 pontos + 1:
  1. Tabela de fretes, por mais que eu defenda a recuperação do Setor, não funciona. Nada é mais poderoso no capitalismo que a soberania do mercado. O Mercado manda, se adapta, se reinventa; novas formas de remuneração vão aparecer.
  2. Os combustíveis, impostos, e pedágios têm que estar alinhados com Mercado de Transportes e com a vida real; soluções simples funcionam, mas não as simplórias, desconexas e que favorecem parte em detrimento do todo. Não é variando o diesel com um dólar afetado ou um barril inflacionado, que vai se recuperar o dinheiro perdido na corrupção que colocou a Petrobrás em coma.
  3. Não é igualando frete de ida e volta que vai se criar, como mágica, carga do Norte para o Sul.
  4. Não é com os fretes que não remunera os custos que os embarcadores vão continuar colocando seus produtos na prateleira por muito tempo.
  5. As Distribuidoras de combustível não têm estratégia, inteligência ou mínima capacidade de gerir sua própria logística, não é ‘catando’ motoristas na porta que vão evitar outro colapso.
+1 só: Não é achando graça nas redes sociais que nós vamos resolver coisas. 

  
Obrigado e um abraço ao improvável Leitor 


Douglas

(Texto escrito antes da definição judicial do imbróglio da tabela de frete)

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