Tem Caminhão... Tem Vida
Poucas coisas são absolutas no
capitalismo de nossos dias, uma delas é: não existe longo prazo. Planejamento e
certezas são perecíveis; longo prazo são 3 anos, no máximo.
Não se trata de só “mudar todo o
tempo”, ou “dinamismo”, ou que só os “rápidos vencem”; muito mais do que isso.
Não se controla mais o ambiente de negócios, uma nova ideia pode mudar tudo e
perdurar por um longo prazo (3 anos?). A Logística subiu de patamar no que
tange à relevância das matérias que compõem os negócios; quando o nível de
serviço é o fator decisivo, a logística também é. De uma maneira simplista,
pode-se dizer que a Logística e ainda mais o Transporte é a ponta de lança dos
negócios e ideias que vêm transformado o mundo com tanta rapidez; não é
possível dissociar as marcas Amazon, Uber, ifoods, Rappi, Alibaba, Natura, e
tantos outras que nos chegam, nos levam ou nos trazem o que precisamos, ou não
precisamos mas queremos.
e-commerce
é o estado da arte em sistemas de gestão, compras, estoque e vendas, mas é a
execução do transporte que determina quem vence e que perde no mercado
eletrônico; assim como os novos fenômenos da inovação Uber, Rappi e ifood,
são empresas de transporte em nova roupagem
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A frota própria foi um vetor
importante nesse processo de surgimento das potencias da indústria brasileira de
transportes, como também importante para o crescimento do país. Explica-se: os
caminhoneiros tinham uma capacidade limitada de absorver a demanda crescente; a
indústria automobilística atingira sua maturidade no Brasil (desta feita na
produção de cavalos mecânicos e carretas), financiamento governamental
acessível às empresas bem estabelecidas, contexto consoante com a cultura
vigente no meio. Cultura que valorava o frotista. Foi uma época de ouro.
Na primeira década do novo século,
a competitividade, controle e redução de custos começaram a desafiar a cultura
pró-frota própria; os clientes queriam que os transportadores tivessem um
‘lastro’ de caminhões, mas a prioridade era um ótimo serviço com preços justos
(entenda-se ‘justo’ como bem menor do que a época de ouro). Começava a surgir o
conceito do ‘agregado’, não que a prática ou o conceito fossem novos, mas
ganhou em importância e significado.
O “Caminhão Agregado”, via de regra era representado por um motorista proprietário de um caminhão bem cuidado (10 a 15 anos de fabricação), que em troca de sua fidelização ganhava o direito de ter trabalho o mês todo e utilizar a carreta do transportador que o contratava. Esse modelo era mais flexível, o agregado não recebia horas extras, não era limitado por jornada de trabalho e sua remuneração tinha um componente variável forte (mais km = mais faturamento). Em adição, o agregado era (e ainda é) responsável e mantenedor dos 3 principais componentes da planilha de custo de frete: combustíveis, pneus e investimento no cavalo mecânico; equação de muito sucesso para o transportador e para o contratante, nem sempre boa para o motorista/proprietário agregado, mas esse aspecto só eclodiria em uma séria crise em 2018 (a ser abordado mais a frente).
Os últimos 10 anos contam uma
história bastante diferente das décadas anteriores, resultado da evolução
natural do modelo Frota/Carreteiro dos anos 2000, e mais do isso a prevalência
total do foco em custos
O embarcador (cliente) agora quer
um serviço eficiente, que a carga seja entrega intacta e no ‘transit time”
contratado; aceita pagar mais (dentro do determinado pelas leis de mercado) se
a carga tiver que ser entregue em uma janela rígida de tempo, ou produtos
diferenciados (farmacêuticos, perigosos, alto valor, etc). O bom serviço é o
serviço certo. Mesmo na entrega para consumidores finais não se espera um
serviço diferenciado, apenas que o (a) motorista chegue no tempo prometido pelo
embarcador e seja educado (a). Como citado na introdução desse artigo, a
competição se dá na logística em grande parte das indústrias.
Nessa década os carreteiros ganham importância nos
transportes de média e longa distância, e os pequenos frotistas em entregas
urbanas e as entregas diretas aos consumidores. As grandes empresas, em
evolução do modelo anterior, ganham importância ou a perdem à medida que operam
com frota própria ou dedicada, mas com preços de mercado. Quem perde e está na
porta de saída do mercado são os operadores logísticos sem frota e sem modelos
de consolidação de frotas e gestão de produtividade e os agenciadores, esses
últimos em extinção sendo sumariamente substituídos por softwares e start-ups
que prometem o casamento entre caminhão e clientes.
A tecnologia e inovação chegaram ao mercado de transportes com a “uberização” que de forma ainda embrionária trouxeram essas start-ups que usa a facilidade de cadastro, banco de dados, localização com um toque de otimização de rotas (um toque, nada que defina o modelo); os motoristas ou pequenas empresas encontram carga e assim também os clientes em uma forma moderna se substituição aos antigos agentes de carga. Esse modelo ainda oferece pouco e está fragmentado, alguns só publicam informações, outros oferecem serviços de parceiros ou patrocinadores, mas ainda não há aquele que ofereça o modelo Uber, virá; muito possivelmente por investimento e tecnologia de empresas estrangeiras, no momento em que o Brasil sair da crise, a reforma fiscal sair do papel e os investidores entenderem o mercado.
A tecnologia e inovação chegaram ao mercado de transportes com a “uberização” que de forma ainda embrionária trouxeram essas start-ups que usa a facilidade de cadastro, banco de dados, localização com um toque de otimização de rotas (um toque, nada que defina o modelo); os motoristas ou pequenas empresas encontram carga e assim também os clientes em uma forma moderna se substituição aos antigos agentes de carga. Esse modelo ainda oferece pouco e está fragmentado, alguns só publicam informações, outros oferecem serviços de parceiros ou patrocinadores, mas ainda não há aquele que ofereça o modelo Uber, virá; muito possivelmente por investimento e tecnologia de empresas estrangeiras, no momento em que o Brasil sair da crise, a reforma fiscal sair do papel e os investidores entenderem o mercado.
As (pobres) estatísticas no país
dão conta que há 148 mil empresas de Transportes e 340 Cooperativas, sendo que
a quantidade de autônomos registrados é de 493 mil (dados do Anuário CNT de
Transporte 2018). A frota brasileira em circulação é de 66 milhões veículos.
Destes, 7,0 milhões são de veículos comerciais leves, picapes e furgões
(10,67%), 2,0 milhões de caminhões (3,09%) e 376,5 mil de ônibus.
A Vida Pós-Apocalipse
A greve teve início na manhã do
dia 21 de maio de 2018, a princípio organizada por associações e sindicatos de
motoristas autônomos, que pressionavam pelo fim da escalada de aumentos do
combustível. Cresceu em tamanho, entidades participantes e reinvindicações. A
paralisação encontrou um país perplexo que rapidamente se tornou apático; o
governo, as empresas e os cidadãos não sabiam o que fazer, não houveram reações
imediatas, a descrença no que acontecia paralisava a sociedade. O choque foi
agravado pelo esquecimento do que era uma greve dessa magnitude, em qualquer
segmento.
No dia 24, filas se formavam para
abastecer em postos, que elevavam o preço da gasolina, e alguns alimentos
faltavam em supermercados ao redor do país, a partir daí aeroportos passaram a
operar em situação crítica, alimentos e gêneros de primeira necessidade, e alto
consumo, rarearam ou sofreram alta de preços..
Estima-se que o desastre causou um
impacto na economia brasileira de pelo menos 30 bilhões de reais, além de mais
8 bilhões de reais do dinheiro dos contribuintes para o acordo do fim da greve.
Outra estimativa é que mais de 1
milhão de caminhoneiros parados, esse número está entre 30 a 50% do total da
frota do país, os que não pararam por adesão à greve, estacionaram por pressão
(muitas vezes violentas) dos grevistas.
O acordo entre governo e grevistas
foi feito com base no desespero e não do bom senso, a tabela de frete foi o
acordo mais controverso e danoso à economia e também aos próprios beneficiados.
Tabelar o que é regido pela lei do mercado, e dogma do capitalista, fez com que
os embarcadores limitassem ao mínimo a utilização de carreteiros autônomos. A
tabela se aplica também à frota comercial pertencente aos outros atores da
indústria de transportes, no entanto há maneiras de se celebrar contratos sem a
aplicação da tabela e de forma legal.
O resultado é que pela falta de
demanda de cargas, atuação dos frotistas e o medo dos embarcadores de
dependerem de uma categoria que não controlam, os carreteiros perderam mercado.
O Muro
É melhor ter frota de caminhões,
subcontratar, gerenciar, integrar ou agenciar? Tem Muro, o muro da frota. O
Muro que separa o mundo da logística em dois: quem tem e quem não tem frota.
No Brasil pós greve mercado voltou
ao status de importância que a frota própria, ou mesmo a frota na mão dos
caminhoneiros, tinha há 30 anos atrás. Valora-se os atores que têm caminhão,
simples assim.
Essa nova e antiga visão não vem
só com a greve dos caminhoneiros, tabelamento dos fretes, ou inovação em
tecnologia e gestão; mas o conjunto desses fatores somado a dois elementos
chaves: a busca da produtividade e redução de custos indiretos.
O Carreteiro possui frota, mesmo
que frota de um único caminhão, este como os pequenos frotistas ganham
visibilidade e acesso aos compradores de transporte; os clientes estão
dispostos a possuir a gestão especializada ou softwares rebuscados de controle,
visibilidade de indicadores, gerenciamento de riscos, auditoria e pagamento de
frete.
Há espaço para todos que buscam se
adequar e escolhem um lado do muro: de um lado os que têm frota e do outro quem
não tem, agora o valor não se agrega mais, tem de ser inerente ao serviço,
existe ou não:
·
Os Embarcadores buscam os provedores que ofereçam
um serviço de baixo custo, efetivo e confiável, porém não querem pagar por
custos de gestão e indiretos.
·
Os operadores podem e devem buscar eficiência com a
aplicação de tecnologia aplicada à produtividade, sinergias e redução de trajetos
sem carga, principalmente; assim faz por merecer o pagamento de seus próprios
custos e lucro.
·
Agenciadores digitais vão ganhar seu espaço em
cargas de grande volume e distância, serão importantes se não em otimização,
mas com a gestão da informação e sinergias; esses também vão intensificar as
parcerias comerciais e respectivas pontes com, por exemplo, fornecedores
combustível, meio de pagamento, refeição, insumos, etc.
·
Carreteiros e Transportadores com frota de qualquer
tamanho podem e devem buscar a tecnologia da informação, controle e gestão, mas
sua vocação e objetivo deve ser claro: executar o serviço. Qualquer atividade
acessória, importante ou não, que coincida com que o cliente já tem duplica
custo e torna-se inaceitável.
De
um lado quem possui frota e do outro quem vive da frota alheia. Há espaços
para ambos, mas morre que fica em cima do muro
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A escolha de um lado do muro fará
bem para o Mercado como um todo: as frotas vão estar focadas na execução eficaz
da operação física de transporte, os Operadores Logísticos (3PL ou 4PL) devem
prover redução de custos via otimização da malha, redução dos tempos envolvidos
e por conseguinte melhor utilização dos ativos; os agenciadores digitais com a
sinergia que junta frota e demanda e agrega serviços úteis sem agregar custos
inúteis.
Como na vida, e nos negócios, sempre se encontra muros.
Estar do lado errado do muro, ou em cima dele é certeza de insucesso; ter
sucesso é estar apto para fazer a escolha certa e trabalhar com eficácia para
alcançar seu objetivo
Obrigado e um abraço ao Improvável Leitor
Façamos um ótimo 2020, mesmo contra todas as probabilidades
Douglas
Esse texto é uma versão condensada do artigo publicado na Revista "Mundo Logístico", edição 72, setembro/outubro de 2019, do mesmo autor