Num desses ‘Team Building’ da
vida me vi metido nessas atividades de arvorismos, escaladas, rafiting e outras
aventuras improváveis para pilotos de sofá (um dia gostaria de ver o resultado
desses eventos quantificados no P&L, mas isso é outra história); pois bem,
eu estava numa fila balançando nessas pontezinhas de corda a caminho de uma
tirolesa devoradora de almas assustadas, eu era o próximo e era minha primeira
(última e única) vez, o monitor prendia a cinta e eu quase lacônico perguntei
pra enganar meu nervosismo:
“algum
conselho de último segundo?”
Ele respondeu:
“não pense”
Era de fato o último segundo,
trocamos essas palavras enquanto ele me amarrava e eu segundos depois pulava.
Nunca esqueci esse evento, para ser sincero, quando penso em uma orientação
perfeita, rápida, pragmática e com melhores resultados que recebi em toda a
minha carreira, foi essa: “não pense”.
Eu pulei, e até consegui aproveitar, quase que gostei, mas não pensei em nada,
apenas pulei.
O processo era composto por 3
etapas: (1) caminhar em fila indiana pela ponte de madeira; (2) vestir os
equipamentos de segurança; (3) pular. Se eu tivesse pensado em alternativas,
inovações ou fosse criativo, possivelmente teria me arrebentado ou no mínimo
passaria uma vergonha danada, além de não colher qualquer satisfação da minha
epopeia.
Nessas mais de 3 décadas
trabalhando com logística em 7 países da América Latina, meu maior desafio, e
que sempre custou muito esforço e dinheiro, tem sido a disciplina das equipes,
ou a falta dela. Não me refiro apenas ao pessoal de piso de armazém, motoristas
e ajudantes; mas inclusive as lideranças.
Não basta treinar algumas vezes, por mais
simples que sejam os processos, o sucesso está na repetição, repetir dezenas,
centenas de vezes a mesma mensagem, o mesmo treinamento até que se tornem
hábitos.
Para quem não acredita na
efetividade da repetição, e dos benefícios da disciplina formando o hábito, sugiro
a leitura do livro de “O Poder do Hábito” de Charles Duhigg; é impressionante
os estudos científicos que são apresentados no texto corroborando com a tese do
autor.
Qual a dor na repetição? Por que
se sofre tanto para cumprir um processo simples? Certamente há constrangimento
em dizer para o time não ser criativo, por que?
Se o processo é: (1) tome sua
próxima tarefa; (2) dirija-se à área de picking; (3) colete o material seguindo
a orientação que aparece em seu coletor; (4) deposite no stage determinado.
Fim.
Não há como errar, certo? Errado
O (a) colaborador (a) está indo
para a sua tarefa e então decide dar uma passada no banheiro, ele/ela volta e
esquece qual era a remessa que ia coletar, aperta alguns botões do seu RF e
entra em outra tarefa que já foi iniciada por outro (a); o aparelho coletor
quase implora no visor ou no seu ouvido que está errado, mas ele é um (a)
colaborador (a) com iniciativa e quer resolver, então pega a caixa e deposita
bravamente no stage (YES!!). Ele ou ela em alguns minutos destruiu a
acuracidade do estoque e doou produto ao cliente final; a tarefa que era para
ter sido feita, ficou sem fazer e com certeza vai gerar atrasos, retrabalhos e
mais desvios.
Quantos milhões são desperdiçados
porque os (as) motoristas têm iniciativa e ‘melhoram’ o processo certo de conduzir o veículo, ou decidem ganhar tempo e
aceleram um pouco mais do que está estabelecido? Sem contar as vidas
desperdiçadas. O processo para conduzir um veículo de carga hoje exige muito
menos da criatividade do motorista, a evolução vem de milhares de horas
‘pensadas’ para que os operadores ‘não pensem’, mas cumpram os processos.
Líderes devem ser criativos,
certo? Não.
Líderes de operações logísticas orientam o
cumprimento dos processos estabelecidos, dão ritmo e fluidez à operação, priorizam
e corrigem falhas.
Isso não é ser criativo? Não. Líderes
conduzem através dos processos estabelecidos, do que aprenderam e viveram nas rotinas operacionais; têm conhecimento e experiência para orquestrar a equipe. Líderes
indisciplinados formam e conduzem times indisciplinados, indisciplina é
sinônimo de erro e baixa produtividade em uma operação; escolha bem e cuide bem
de seus líderes.
O bom líder cumpre seu processo, fazendo
que as equipes cumpram em harmonia o conjunto de processos que lhes cabe.
Um livro que gosto muito é “Fora
de Série – Outliers” de Malcom Gladwell, um texto rico que aborda diferenciais que
fazem uma pessoa ter sucesso. O autor traz, em uma das partes do livro, estudos
de acompanhamentos da vida de gênios (tendo QI como determinante para essa
qualificação), mais especificamente busca a realização profissional de crianças
superdotadas, como elas se saíram nas carreiras que escolheram, ou que a vida
escolheu para elas, é fácil deduzir que nem todas se deram muito bem, mas o interessante
é entender o porquê; como também é interessantíssimo entender como pessoas ‘comuns’
se tornaram gênios inquestionáveis. O autor traz uma ‘regra das 10 mil horas’
para explicar o sucesso através da disciplina e repetição (de processos,
rotinas, músicas...), jogando pesado para provar seu ponto citando nada menos
que Bill Gates e Os Beatles.
O adolescente Gates descobriu que
o computador do Departamento de Física da Universidade de Washington ficava
ligado 24 horas por dia, e ele fugia de casa de madrugada para usar o
computador das 3 às 6h da manhã. Gates, na década de 60, teve a sorte de ter
acesso à computadores quando estes ainda nasciam, mas dedicava 8 horas por dia (descontando
o tempo em aulas), sete dias por semana desde seus 13 anos de idade até iniciar
sua trajetória profissional. Ninguém questiona a genialidade de Bill Gates, mas
ele seria quem é sem tanta dedicação e disciplina? O autor conta um momento
decisivo na carreira de Os Beatles, quando estavam ainda começando, receberam
um convite para passar uma longa temporada em Hamburgo, Alemanha; tocavam em
bares por 10 horas todos os dias, 7 dias por semana, e ainda ensaiavam, porque
tinham que tocar de tudo, inclusive jazz. Foram alguns anos e os próprios
músicos confirmaram a importância desse processo em seu aprimoramento e
consequentemente seu sucesso.
O improvável Leitor deve estar
perguntando como eu vou juntar tudo isso. Junto em 3 palavras:
Processo, Treinamento e Disciplina
Engana-se quem pensa que não há
talento, inteligência e criatividade nessa tríade. Estabelecer um processo
eficaz exige inteligência e criatividade. Treinamento exige a humildade de se
reconhecer inapto até que um sem número de repetições o levem ao conforto da
execução perfeita, e a disciplina não nos acorrenta, ao contrário, liberta
nosso talento para que seja empregado aonde de fato ele faça a diferença positiva.
Um abraço, e um obrigado ao Improvável Leitor
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